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A frase “vestir a camisa da empresa” tornou-se um mantra no mundo corporativo, frequentemente aplicada para descrever o funcionário ideal: aquele que está sempre pronto para se dedicar, com lealdade, às necessidades e metas da organização. No entanto, essa relação parece, muitas vezes, ser unilateral. A pergunta que se impõe é: e a empresa, veste a camisa do empregado? Quando analisamos as práticas empresariais no Brasil e as relações trabalhistas, percebemos que, historicamente, o desequilíbrio de poder entre patrão e empregado favoreceu o primeiro, deixando o segundo em desvantagem.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, foi um marco importante na proteção dos direitos dos trabalhadores no Brasil. A CLT surgiu num contexto de crescente industrialização e urbanização, onde era necessário estabelecer um conjunto de regras para regular as relações de trabalho. Segundo Homero Batista, renomado especialista em Direito do Trabalho, a CLT foi concebida para proteger o lado mais fraco da relação — o empregado — garantindo-lhe direitos básicos como jornada de trabalho, férias, e condições mínimas de segurança. Mesmo com a importância dessa legislação, as relações de trabalho muitas vezes permanecem desiguais, e o funcionário se vê pressionado a aceitar condições abusivas para manter o emprego.
O papel da empresa no relacionamento com os funcionários
Nos dias de hoje, com a crescente ênfase no ESG (ambiental, social e governança), é imperativo que as empresas ampliem sua visão sobre as suas responsabilidades. O bom relacionamento dentro do ambiente de trabalho é essencial para a sustentabilidade de uma organização. Empresas que buscam genuinamente atender às expectativas de seus empregados tendem a reter talentos, reduzindo a rotatividade de funcionários, ou o chamado “employee turnover”. Essa preocupação não deve ser vista como uma ação para “parecer bonzinho”, mas como uma estratégia empresarial inteligente que pode aumentar a produtividade e, consequentemente, os lucros.
Empregados que se sentem ouvidos, respeitados e que trabalham em um ambiente saudável, tendem a se comprometer mais com suas atividades. Essa relação, baseada na paixão e no amor pelo que se faz, melhora os índices de produtividade. Atualmente, vemos que muitas empresas buscam atingir certificações como o Great Place to Work, que mede as melhores empresas para se trabalhar, ou mesmo a inclusão em índices de sustentabilidade, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, que atrai investidores que buscam rentabilidade em negócios sólidos e sustentáveis.
A precariedade e o histórico do trabalho no Brasil
Durante grande parte da história do Brasil, o emprego formal e os direitos trabalhistas foram conquistas distantes para muitos. O trabalho, sobretudo no período anterior à CLT, era extremamente precário, com condições abusivas e longas jornadas sem qualquer garantia de descanso ou remuneração adequada. O empregador era visto como o “benfeitor”, que oferecia ao trabalhador uma oportunidade de sustento, o que reforçava a desigualdade nas relações de poder. Essa cultura ainda persiste em algumas áreas, com empresas que mantêm práticas abusivas ou se recusam a adaptar suas políticas para criar um ambiente mais equilibrado.
Contudo, à medida que as pressões sociais e econômicas mudaram, e a competitividade global aumentou, as empresas perceberam que o bom relacionamento com os funcionários não é apenas uma questão de ética ou de sustentabilidade externa, mas uma condição fundamental para o seu sucesso a longo prazo. A emergência do ESG nas discussões corporativas deixou claro que cuidar dos empregados é parte integral da construção de uma empresa mais responsável.
Demissão e justa causa: a empresa também pode ser demitida?
Um ponto interessante, frequentemente pouco discutido, é o fato de que o trabalhador também pode, em certos casos, demitir o empregador. Embora o conceito de “justa causa” seja mais comumente aplicado ao empregado que comete faltas graves (como desonestidade, embriaguez habitual ou abandono de emprego), o empregador que viola os direitos do trabalhador ou promove um ambiente tóxico também pode ser responsabilizado. Quando a empresa falha em garantir condições mínimas de trabalho ou trata o funcionário de forma abusiva, o empregado tem o direito de pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho. Essa situação ocorre quando o trabalhador busca a demissão, mas com todos os direitos de uma demissão sem justa causa, devido à quebra de contrato por parte da empresa.
Segundo a CLT, algumas das situações que podem gerar esse tipo de rescisão são: exigir serviços superiores às forças do empregado, ou contrários à lei, tratamento desrespeitoso por parte do empregador, ou não fornecer condições de trabalho adequadas. Esse é um importante mecanismo de equilíbrio, mesmo que raramente seja aplicado na prática.
A busca por equilíbrio e sustentabilidade
As empresas que realmente desejam ser sustentáveis precisam, antes de tudo, garantir que a relação com seus funcionários seja justa e equilibrada. Oferecer um ambiente de trabalho saudável, que valorize o ser humano e respeite suas necessidades, é o primeiro passo para construir um negócio próspero. Antes de investir em campanhas de marketing verde ou projetos ambientais grandiosos, as empresas devem olhar para dentro e verificar se estão, de fato, “vestindo a camisa” de seus empregados.
Ao fazer isso, elas não apenas melhoram seus resultados financeiros, mas também criam um ambiente de trabalho onde os funcionários se sentem respeitados e motivados. Esse tipo de relacionamento é fundamental para garantir a empregabilidade a longo prazo e estabelecer um ciclo virtuoso de crescimento, produtividade e sustentabilidade. O amor e a paixão pelo que se faz não podem ser exigidos unilateralmente. São o resultado de uma relação de respeito mútuo.
Conclusão
A relação entre empregado e empregador no Brasil tem uma longa história marcada pela desigualdade. No entanto, com a crescente ênfase no ESG e nas práticas de governança corporativa, as empresas estão sendo desafiadas a rever essa relação. Vestir a camisa do empregado, garantindo-lhe respeito, boas condições de trabalho e reconhecimento, não é apenas uma questão de justiça, mas de sustentabilidade empresarial.